A difícil tarefa de produzir uma sequela à aventura de Aloy.
Depois do enorme sucesso junto da crítica especializada que teve oportunidade de testar a obra com várias semanas de antecedência, Horizon Zero Dawn goza agora também de semelhante sucesso comercial, tendo inclusivamente superado o lançamento da Nintendo Switch e, por consequência, do adorado The Legend of Zelda: Breath of the Wild por terras de Sua Majestade. Os analistas estão otimistas e audaciosos nas suas previsões para o título, colocando-o nas proximidades dos impressionantes números apresentados pelo colosso que foi Uncharted 4, o primeiro jogo da Naughty Dog produzido de raiz para a PlayStation 4 e a quarta entrada de uma série já bem estabelecida na consciência do público.
Tendo em conta todo este sucesso, as declarações de executivos da Sony Interactive Entertainment e dos próprios produtores da Guerrilla Games, uma sequela para a aventura de Aloy parece neste momento ser uma inevitabilidade. E percebe-se facilmente porquê. Mesmo colocando de parte as motivações financeiras - que, por muito que nos custe admitir, estão na origem das decisões de qualquer empresa que tenha investidores para agradar -, seria um desperdício não aproveitar tudo aquilo que teve de ser criado de raiz para acomodar a produção de uma nova propriedade intelectual e a transição do estúdio para um género no qual não tinha qualquer historial.
Dito isto, após ter concluído a campanha, fiquei imediatamente relutante e igualmente curioso sobre qual seria a abordagem da produtora holandesa à componente narrativa da provável sequela. Por isso mesmo e uma vez que já estamos com alguma distância relativamente à chegada do título ao mercado, decidi escrever finalmente algumas considerações sobre o futuro desta série e os desafios que o hipotético Horizon Zero Dawn 2 terá de ultrapassar para manter o seu mundo de jogo fresco e perpetuamente cativante. (Nota: Não entrarei em detalhes concretos sobre a história do título, mas haverá spoilers ligeiros nos parágrafos que se seguem.)
Tal como mencionei na minha análise e num artigo dedicado em exclusivo a essa temática, Horizon tem no seu mundo de jogo e na mitologia que o envolve um dos seus principais trunfos e uma das razões pelas quais consegue rapidamente captar o interesse do jogador e mantê-lo imerso neste universo do princípio até ao final da aventura. O mistério e as perguntas à espera de serem respondidas são elementos essenciais da campanha e estão quase sempre no centro da narrativa. São o mistério e a curiosidade que motivam Aloy e são também eles que agarram o jogador pelos colarinhos e não mais o largam até toda a curiosidade estar saciada e as perguntas respondidas.
Se já terminaram o RPG da Guerrilla Games, é provável que muitas, senão mesmo todas, as questões que pairavam sob a vossa mente antes de o começarem a jogar tenham sido respondidas durante as vossas dezenas de horas com o jogo, contudo, isso tem vantagens e desvantagens para futuras entradas neste universo. Por um lado, Horizon Zero Dawn responde às questões mais importantes e utiliza a descoberta da verdade como recompensa para o tempo e a atenção que lhe são dados pelo jogador. Por outro lado, o título deixa muito pouco por desvendar e não oferece grandes razões para voltar cultivar o mistério e a nossa curiosidade relativamente ao que ainda está para vir, algo que poderá significar que este mundo pode já não ter muitos segredos por descobrir.
Produzir uma sequela de igual qualidade e igualmente memorável sem os elementos de misticismo e do desconhecido que serviram de combustível ao título original da série não é impossível, mas implicará sempre que o estúdio holandês tenha de virar o foco da nova aventura para outros elementos do seu mundo de jogo. Já sabemos como e o porquê de civilizações quase pré-históricas conviverem com máquinas de tecnologia extremamente avançada, já descobrimos as origens de Aloy e o seu lugar no mundo, já encontramos e contactamos com diversas tribos, cada uma com as suas próprias crenças e tradições, e conhecemos algum do seu passado e já defrontamos um rol de criaturas robóticas diferentes e descodificamos as suas origens. Estas são as mais óbvias e pertinentes perguntas que comandam Horizon Zero Dawn, mas existem outras à espera de serem respondidas. Perguntas de escala menor, mas que podem servir de inspiração a histórias igualmente interessantes e merecedoras de atenção.
Apesar do regresso da protagonista ruiva numa possível sequela não ser certo, como a Guerrilla Games já fez saber, parece-me que as constantes referências a Aloy como o novo ícone da PlayStation deixam bastante claro que esta personagem estará também no centro de futuras histórias neste universo, especialmente porque a própria narrativa deste jogo a coloca literalmente no centro do plano para evitar o desaparecimento da humanidade. Isto é desde já um indicador positivo para as próximas iterações da série, uma vez que a protagonista é de longe a personagem mais interessante que este título tem para oferecer.
Repleta de personalidade e extremamente carismática, Aloy prova ao longo de Horizon Zero Dawn ser capaz de carregar todo um jogo e uma narrativa às suas costas. Isso, alicerçado pelo mistério já tantas vezes mencionado neste texto, permite ao jogo sobreviver e manter-se interessante ao mesmo tempo que abafa os pontos menos conseguidos da campanha. Mais concretamente, refiro-me à qualidade das personagens secundárias com quem a protagonista interage durante a aventura, seja como resultado da narrativa principal ou nas diversas atividades secundárias nas quais podem optar por participar se quiserem alargar a vossa estadia neste mundo.
Comparei-o a The Witcher 3: Wild Hunt quando escrevi sobre a forma como o título nos introduz e apresenta o seu mundo de jogo, no entanto, no que diz respeito ao elenco de personagens, Horizon não consegue claramente competir com o excelente RPG da CD Projekt Red. Chegar ao final do último capítulo da trilogia de Geralt é levarem com vocês inúmeras personalidades que, mesmo sendo acessórias à narrativa principal, vos marcam e ficarão com vocês muito depois dos créditos rolarem pelo ecrã. Bloody Baron, Keira Metz, aquela senhora que queria a sua panela de volta - é uma piada, mas a verdade é que ainda me lembro dela -, são apenas alguns exemplos do que de melhor o jogo tem para oferecer, personagens que, embora não o sejam, podiam perfeitamente ser protagonistas das suas próprias aventuras.
Horizon Zero Dawn não tem nada disto. A personalidade da vasta maioria das personagens com quem interagem tem a densidade de uma folha de papel e as suas motivações são simples e óbvias, o que as impede de terem um verdadeiro impacto no jogador. Duvido seriamente que daqui a alguns meses me lembre das personagens que me acompanharam na aventura e, se tal for o caso, dever-se-à mais à frequência com que interagi com as mesmas do que propriamente pelo interesse que estas despertaram em mim. Na verdade, a personagem secundária mais interessante e bem explorada é também aquela que, por força das circunstâncias, tem direito a menos tempo de antena.
Produzir uma sequela que não esteja tão dependente do mistério e que não seja comandada em primeiro lugar pelo sentimento de descoberta significa necessariamente apostar em histórias humanas mais cativantes e bem mais desenvolvidas, histórias que o jogador guarde consigo e que providenciem exatamente o mesmo entusiasmo que aquele momento em que começaram a descobrir as várias peças do puzzle que vos levaram até à conclusão, o momento em que o mistério deixou de existir e tudo passou a fazer sentido. O excelente combate poderá ser suficiente para vos fazer regressar a este mundo, mas é preciso muito mais que isso para vos motivar a gastar mais uma boas dezenas de horas no seu interior.
Sim, a curta cinemática que sucede aos créditos levanta possíveis questões que serão respondidas apenas na sequela, mas penso que é óbvio que um Horizon Zero Dawn 2 terá uma tarefa bem mais difícil para cativar e manter o interesse do jogador na narrativa do que aquela que o seu antecessor teve.